Auto-ajuda – Nos últimos anos temos vivido debaixo de uma campanha pelo otimismo que deixa transparecer que a solução para todos os problemas está numa atitude adequada. O pensamento positivo é um negócio, proliferam os livros de auto-ajuda, consagram-se gurus e o facebook enche-se de frases feitas, bem intencionadas, mas que não provocam nenhuma mudança vital nas pessoas.
Se olharmos bem os êxitos supostamente causados pela ideologia don’t worry, be happy, percebemos que os fatores chave pouco têm que ver com o pensar bem ou desejar muito, mas sim com comportamentos específicos: definir objetivos concretos, motivadores e ajustados ao perfil de cada um; a dedicação, esforço e a resistência à frustração adquiridas através de experiências pessoais, e não tanto com as experiências deste pensamento positivo que vence tudo.
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Grande parte da auto-ajuda está cheia de histórias de superação individual baseadas num passo a passo sem ter em conta as condições materiais das pessoas. A auto-ajuda faz bem porque quase sempre há uma “moral da história” como nas sessões de cinema de sábado à tarde.
Mas a auto-ajuda não se fica pelos livros, nem pelo cinema ou pela internet. Existem escolas de liderança, cursos de superação pessoal que são utilizados cada vez mais pelas empresas para aumentar a auto-estima dos seus colaboradores. Em Bright-Sided: How the Relentless Promotion of Positive Thinking Has Undermined America, Barbara Ehrenreich explora como esta cultura do otimismo nos impede de responsabilizar os líderes das empresas ou os políticos eleitos. Para ela esta tendência surgiu nos Estados Unidos durante os anos 80 e 90 porque funcionava/ funciona como um negócio. Escreviam-se livros como Who Moved My Cheese?, hoje em dia um clássico sobre a aceitação dos despedimentos com uma atitude positiva, e contava-se que os empregadores comprassem este material para de seguida ser distribuído gratuitamente pelos seus colaboradores.
| “Se quer ter uma população otimista diga-lhes para pensarem positivo e aceitarem que se algo não correr bem nas suas vidas é por culpa deles, porque não tiveram uma atitude suficientemente positiva.”-Barbara Ehrenreich
Também a universidade foi permeável a esta realidade do pensamento positivo ou da psicologia positiva. E como diz Ehrenreich as pessoas vão para a universidade aprender pensamento crítico e o pensamento positivo é a antítese deste. Na prestigiada Universidade de Harvard todos os anos organizam-se pequenos cursos sobre pensamento positivo que reúnem centenas de alunos, onde se dedica tempo a escrever cartas de gratidão à família, cartas de perdão (sem importar se as envia ou não) e a conectar-se com o seu sentimento de felicidade. O ensino superior consiste nisto?
Toda a auto-ajuda é má?
Muitos dos produtos da auto-ajuda não são maus em si mesmos. Alguns incluem técnicas psicológicas muito eficazes que possibilitam a mudança pessoal, a planificação e a persecução de objetivos, ajudam a gerir melhor a ansiedade, apresentam ideias, casos ou metáforas que nos ajudam a descobrir novas perspetivas e a encontrar outras alternativas.
Numa entrevista à TSF Alain de Botton refletiu sobre esta problemática: “O que há de errado na auto-ajuda? O que há de errado num livro que nos ajuda a viver? O meu problema não é com a ideia de auto-ajuda mas com a realidade do que é parte dos livros de auto-ajuda que costumam ser pouco sérios, demasiado simplistas, excessivamente otimistas e que ajudam muito pouco”.
Manipular as nossas emoções para fazer-nos sentir bem por momentos, não produz mudanças no nosso quotidiano, não lhe diz como mudar a sua vida ajudando a modificar as circunstâncias pessoais nas quais vive. É fácil oferecer conselhos genéricos cuja aplicação concreta não é possível de avaliar e se as coisas sairem mal ou continuarem como sempre, você não poderá pedir satisfações a ninguem, nem a si próprio pois ao menos “tentou”. Inclusive, alguns autores de livros de auto-ajuda se eximem de quaisquer responsabilidades na aplicação destas formulas mágicas por parte dos seus leitores. 😉
O grande problema da auto-ajuda e do pensamento positivo em geral, é falar tanto de otimismo ou de felicidade e tão pouco dos métodos que nos ajudariam a ter uma vida melhor. Não há nada de errado em inspirarmo-nos em frases, imagens ou representações abstratas, embora seja importante, e hoje talvez mais, perceber que essa galinha de ovos de ouro não existe.
O pensamento positivo está sobrevalorizado. Não se pode dizer às pessoas “veja/ pense melhor, e vai ver que a sua vida melhora”. Se pensar positivo fosse tão positivo, pensar positivo seria inevitável. Mas as coisas não funcionam assim.
Pocoyo e a auto-ajuda
Antes de finalizar este artigo, e para não ficarem a pensar que toda a auto-ajuda é má, gostaria de partilhar convosco um episódio do Pocoyo intitulado “A Chave Mestra” que transmite essa essência do pensamento positivo, mas de uma forma bem mais moderada, sincera e à medida dos mais pequenos. 😉
Conclusões
Os pensamentos positivos são negativos? Não! Esperar que as coisas corram bem e sentirmo-nos animados em relação ao futuro, por exemplo, são consequências de que outras coisas nos correram bem antes, e que vieram reforçar essas atitudes. Algumas pessoas baseiam-se no seu próprio otimismo para inspirar os outros – vemos exemplos todos os dias no mundo das empresas, no trabalho ou em qualquer âmbito. Afirmam que esse é o segredo do seu êxito, até escrevem livros. Mas o que não nos dizem claramente, é que esse milagre não está nas suas atitudes, mas nas suas conquistas! Poucos nos recordam que antes dos seus primeiros êxitos, passaram por situações muito exigentes, até finalmente, começarem a utilizar o argumento do otimismo como a chave do sucesso.
Também por esta razão parte dos livros de auto-ajuda são uma fraude – e um negócio editorial – porque recomendam-nos pensar positivamente e acreditar em nós próprios, sem nunca mostrar como organizar a nossa vida e de uma forma personalizada a cada caso.
cartoon: nanihumor
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